Strobe
A criação visual contemporânea, num momento de acentuação da digitalidade enquanto regime estético-político, tem vindo a problematizar a tensão entre materialidade e desmaterialização, questionando o desaparecimento do corpo, endémico à codificação digital da matéria. Esta tensão coloca-se de forma particularmente aguda no campo da imagem em movimento, em que o desaparecimento do celulóide se tem traduzido numa necessidade de pensar as implicações estéticas e políticas de um medium que cada vez mais assume uma forma imaterial e codificada. Este questionamento traduz-se frequentemente em práticas artísticas que procuram re-situar o corpo no campo visual e político, ora tornando visível a forma como os dispositivos de criação de imagem continuam a produzir corpos, ora demonstrando como os próprios corpos que supostamente se desmaterializam produzem, também eles, imagens que geram efeitos materiais, afectivos e políticos. Através destas práticas, o corpo (individual e político) reinscreve-se na e através da presença material do próprio medium.
O poder contemporâneo exerce-se, também, por via de uma dimensão escópica e corporal, que se cruza com processos de racialização, de género e sexualização, através dos quais o corpo é entendido como desejo e valor, mas também desperdício ou desvio.
Igor Jesus, Daniela Agostinho, e Ana Cristina Cachola
Miguel Mesquita
Dando seguimento à sua investigação sobre o domínio dos dispositivos de captação e criação de imagens na apropriação, exploração e colonização do corpo, a proposta que Igor Jesus desenvolve na residência No Entulho da Artworks parte das experiências fotográficas que o artista Checo Miroslav Tichý, realizou entre o início de 1970 e meados de 80 utilizando câmaras artesanais. De carácter frequentemente voyeurista, as fotografias de Tichý traduzem uma obsessão com o corpo feminino, onde o comportamento e postura das protagonistas é alheio ao dispositivo que as capta. É na transformação da pose das acções quotidianas em realidades esotéricas e, simultaneamente, fetichistas que Igor Jesus explora os formatos e processos de obsessão e capitalização dos desejos do corpo, manifestados em lógicas de sedução, associando-os à instantaneidade das imagens e à sua expressão mediante mecanismos de visualidade.